Hoje foi o dia de debatermos a terceira obra da nossa série de livros do Programa Lideranças Virtuosas 2023.
O livro, escrito pela Professora Amy Edmondson, da Harvard Business School, é uma obra-prima e trata de um tema de extrema relevância para as organizações que querem alcançar a excelência em um mundo atual complexo, incerto e instável: a Segurança Psicológica.
O nome “Segurança Psicológica” foi “resgatado” pela Amy de um livro de 1965 de Edgar Schein e Warren Bennis que tratou da necessidade de Segurança Psicológica para ajudar as pessoas a enfrentarem a incerteza e ansiedade da mudança organizacional. Mais tarde, Schein notou que a Segurança Psicológica era vital para ajudar as pessoas a superar a ansiedade defensiva e de aprendizagem que enfrentavam no trabalho, especialmente quando algo não saía como esperavam ou previam.
Amy dedicou-se ao tema por mais de 20 anos mas, apesar de demonstrar em suas pesquisas os evidentes benefícios de se investir na Segurança Psicológica, foi somente em 2016 que este tema ultrapassou o círculo acadêmico e alcançou um outro patamar de importância no mundo empresarial graças a uma matéria do New York Times sobre uma iniciativa da Google denominada Projeto Aristóteles.
Esta reportagem não somente incluiu a Segurança Psicológica na pauta de discussão do mundo corporativo, como também apontou (merecidamente!) os holofotes em direção à Amy, que, em 2021 foi eleita a pensadora global de gestão número 1 no ranking bianual da Thinkers50 (considerado o “Oscar” do pensamento em gestão).
Mas o que é Segurança Psicológica?
Nas palavras de Amy:
“Segurança psicológica é amplamente definida como um clima em que as pessoas estão à vontade para se expressar e serem elas mesmas. Mais especificamente, quando as pessoas têm segurança psicológica no trabalho, sentem-se à vontade para compartilhar suas preocupações e erros sem medo do constrangimento ou represálias. Elas estão confiantes que podem falar a abertamente e não serão humilhadas, ignoradas ou culpadas. Sabem que podem fazer perguntas quando não estão certas de algo. Tendem a confiar em seus colegas e a respeitá-los. Quando um ambiente de trabalho tem segurança psicológica razoavelmente alta, coisas boas acontecem: erros são reportados rapidamente para que a ação corretiva possa ser tomada de maneira imediata, coordenação integrada através dos grupos ou departamentos são viabilizadas e ideias potencialmente revolucionárias para inovação são compartilhadas. Em resumo: a segurança psicológica é uma fonte crucial para a criação de valor nas organizações operando em um ambiente complexo, variável."
Um ponto importante para salientarmos aqui é que a segurança psicológica ocorre no âmbito de cada equipe, ou seja, dentro de uma mesma organização, pode haver níveis diversos desse importante elemento cultural e, como veremos mais abaixo, a liderança tem um papel fundamental nesse aspecto.
Outro ponto importante é que ela é particularmente relevante para as pessoas pertencentes a grupos minorizados. Ou seja, em ambiente em que há Segurança Psicológica é possível alavancar os benefícios da diversidade, mas em ambientes em que ela inexiste os efeitos são desastrosos.
Mas, se ela traz tantos benefícios, por que a Segurança Psicológica é tão difícil de se alcançar?
Porque vivemos a “epidemia do silêncio” no mundo corporativo, em razão do MEDO de nos manifestarmos e:
- sermos vistos ou rotulados negativamente; ou
- prejudicarmos relacionamentos de trabalho.
Pesquisas demonstram que os 4 principais temas que as pessoas deixam de falar por medo, são:
- casos de assédio;
- problemas de competência do líder imediato;
- erros cometidos pela própria pessoa; e
- sugestões para a melhoria de processos de trabalho.
A neurociência tem demonstrado amplamente que o medo inibe o aprendizado e a cooperação! Por isso o papel da liderança é fundamental para lutar contra esta “força gravitacional para o silêncio” existente no mundo empresarial e para se construir um ambiente livre do medo e, portanto, livre deste “silêncio” que é tão prejudicial, já que, assim, as organizações se privam de saber o que não está indo bem e que poderiam melhorar. Todos deixam de aprender com o silêncio, além de gerar um sofrimento pessoal interno e de abafar a criatividade e inteligência coletiva.
Tudo isso pode levar a um colapso corporativo! Amy traz diversos exemplos nesse sentido, como os escândalos da Volskwagen, Wells Fargo e o declínio da Nokia.
Fica claro, portanto, que “apenas” contratar os melhores talentos não é suficiente para um bom desempenho das organizações. É preciso que eles tenham a capacidade de trabalhar bem em equipe, livre do medo de se manifestar! Para isso, é preciso assegurar um clima de segurança psicológica.
E o que a Segurança Psicológica não é?
Amy esclarece que segurança psicológica:
- não significa ser gentil e bonzinho com todo mundo o tempo todo, ou seja, concordar com tudo e com todos e fornecer elogios apenas para sermos “legais”. Na realidade, Amy explica que um ambiente seguro psicologicamente é justamente o contrário disso. Diz respeito à sinceridade, à possibilidade de discordar de forma produtiva, mas sempre com respeito, obviamente.
- não é um aspecto da personalidade e, portanto, não deve ser associada à extroversão ou introversão da pessoa ou à algum outro traço da sua personalidade. Segurança psicológica se refere a clima de trabalho que afeta as pessoas independentemente das suas características pessoais.
- não é somente uma outra palavra para definir confiança. Embora tenham muito em comum, a segurança psicológica é sentida no âmbito do grupo, enquanto a confiança se refere às interações entre dois indivíduos ou partes.
- não significa aumentar os níveis de desempenho tampouco um ambiente onde tudo é permitido (incumprimento de prazos e etc), o que poderia, inclusive, diminuir os padrões de desempenho da organização. Pelo contrário, a segurança psicológica prepara o terreno para um ambiente de trabalho mais honesto, mais desafiador, mais colaborativo e, portanto, também mais eficiente.
Agora que sabemos o que é e o que não Segurança Psicológica e, também, o que impede as organizações de alcançá-la, quais as orientações de Amy para conseguirmos construir ambientes com elevada Segurança Psicológica?
É aqui que entra o importante papel da liderança. É preciso que a liderança institucionalize e sistematize a Segurança Psicológica.
É claro que mudar hábitos organizacionais profundamente arraigados é algo que exige esforço e tempo, mas não é impossível. Para demonstrar isso, Amy traz diversos exemplos de empresas como a Barry-Wehmiller, Pixar, Google X, etc., onde as lideranças conseguiram criar condições para afastar o medo de se manifestar e substituir o “silêncio” pela franqueza, pela escuta, pela confiança e pelo respeito.
Para tanto, Amy lista três atividades interrelacionadas que devem ser construídas pelas lideranças:
(i) criar um palco para a mudança (comunicar com clareza aos empregados a nova perspectiva para o trabalho e o propósito da organização);
(ii) convidar genuinamente as pessoas para participarem ativamente dos debates (exibindo uma mentalidade de “humildade situacional” e questionando - de forma motivada - para escutar ativamente - e de forma interessada - o que as pessoas têm a dizer); e
(iii) responder produtivamente às pessoas que se manifestem (demonstrando apreço, “desestigmatizando” o fracasso e, quando for necessário, até aplicando penalidades em casos de violações claras dos VALORES da organização).
Sabemos, intuitivamente, que agradecer às pessoas que se manifestam é fundamental! Falar é um ato de coragem nesta “epidemia do silêncio” em que vivemos nos ambientes organizacionais. Sabemos também que, para “desestigmatizar” o fracasso é preciso elogiar as pessoas pelos seus esforços, independentemente do resultado. Mas e sobre a aplicação de penalidades? Inicialmente pode parecer algo contraditório com a ideia de Segurança Psicológica, não é mesmo? Mas não é! Amy explica que a grande maioria das pessoas é inteligente o suficiente para reconhecer e apoiar a aplicação de penalidades às pessoas que violam regras repetidamente ou que colocam os seus colegas em risco. Quando ocorrem respostas justas e coerentes a comportamentos perigosos ou antiéticos, a Segurança Psicológica, ao invés de abalada, é reforçada!
Nota-se que o papel da liderança é fundamental para a eliminação do medo (e do silêncio que o acompanha) nas organizações e, assim, alcançar um ambiente psicologicamente seguro, com maior felicidade humana, maior capacidade de aprendizado, criatividade, inovação e produtividade. Essa deve ser a missão primordial das lideranças que desejam construir organizações éticas e de alto desempenho. Vamos juntos?
Frases que o Alexandre trouxe ao longo do nosso debate e que acho que vale a pena trazer aqui:
“Segurança Psicológica não é supérfluo! Não é um ‘nice to have’”!
“O medo ativa a amídala. E com a amídala ativada não se aprende! Não é ‘jogar para ganhar’, e sim ‘jogar para não perder’. É ‘eu’ e não ‘nós’. É ‘sobreviver’ e não ‘viver’.”
Para ter acesso a uma espetacular resenha do livro “The Fearless Organization: Creating Pychological Safety in the Workplace for Learning, Innovation, and Growth”, preparada por Alexandre Di Miceli, que, inclusive, usei, como fonte de inspiração, para elaborar este breve resumo que escrevi aqui para vocês, basta adquirir o livro: “Pílulas de Liderança, volume 2” aqui.
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