Começamos o nosso encontro de hoje continuando o debate sobre as microagressões e trazendo estudos e pesquisas científicas que comprovam tudo o que já refletimos durante os nossos encontros anteriores.
Angela nos apresentou elementos da Arquitetura Institucional da desigualdade de gêneros (“Gender Inequality Design”):
- Glass Celling (teto de vidro) que é a barreira “invisível, porém inquebrável, que faz com que os grupos minorizados não consigam subir nas carreiras corporativas, independentemente das suas qualificações ou conquistas” (definição da US Federal Glass Ceiling Commission, 2016).
- Glass Cliff (penhasco de vidro) é a tendência das empresas que já estão com problemas de desempenho serem mais propensas a indicar mulheres nos cargos de alta gestão (Conselho e C-level). Mas qual é o racional por trás disso? Estudos mostram uma relação positiva de mulheres em posição de gestão e o desempenho das empresas. Mas há poucos artigos que trazem uma relação negativa entre mulheres “no poder” e o desempenho das empresas. E esse Glass Cliff seria uma ótima explicação para estes poucos artigos que tentam refutar a ideia de que mulheres em cargos de liderança trazem um bom desempenho para as empresas, justamente porque, nestes casos, as mulheres foram colocadas nestes altos cargos em empresas que já estavam demonstrando desempenhos negativos. A sugestão da Angela é ficarmos sempre atentas a quem substituirá um CEO ou CFO, por exemplo, após uma crise nas empresas que lideravam. O recente caso da empresa Americanas já comprova isso, pois uma mulher foi recentemente escolhida para ser a CFO da empresa.
Angela lista diversos estudos científicos que demonstram o Glass Cliff:
(i) Ryan and Haslam (2005): UK FTSE 100 – Onde o viés já documentado na literatura com o nome “think manager-think male” foi complementado pelo “think-crisis-think female”.
(ii) Ryan and Haslam (2008) – Onde foram feitos vários testes em laboratórios que demonstraram que participantes foram muito mais propensos a selecionar uma candidata mulher para uma posição de liderança quando o desempenho da empresa está em declínio do que quando lhes era dito que este desempenho da empresa estava melhorando.
(iii) Brady et al. (2011) – Que analisou 444 executivos da Fortune 500 e verificou que empresas que passaram por escândalos nos anos anteriores tiveram uma probabilidade maior de indicar mulheres para cargos de liderança.
(iv) Cook and Glass (2013) – Que investigou todas as transições de CEOs da Fortune 500 num período de 15 anos e, como resultado, verificou que grupos minorizados (mulheres brancas e negras e homens negros) têm maior probabilidade de serem promovidos a CEOs de empresas com pior desempenho. No entanto, quando esse desempenho continua ruim durante o mandato de CEO representante de grupo minorizado, eles são muito mais propensos a serem substituídos por homens brancos: é o chamado “efeito salvador”.
- Sitck Floors (chão grudento) é a tendência de mulheres e outros grupos minorizados serem mantidos em posições de baixa remuneração e que não oferecem a possibilidade de mudança de área e nem de ascensão (Morgan, 2015).
- Broken Rung (degrau quebrado) é a tendência de menos mulheres serem promovidas a cargos de gerência do que homens. Conforme a pesquisa Women in the Workplace Report de 2022, a cada 100 homens promovidos (nível básico a gerente), 87 mulheres brancas e 82 mulheres negras são promovidas. Mas, conforme esse cargo vai “subindo”, essa proporção fica ainda pior:
- 1 em cada 4 C-level é mulher branca!
- 1 em cada 20 C-level é mulher negra!
. Glass Walls (paredes de vidro) são as barreiras horizontais que dificultam a mobilidade das mulheres de forma horizontal entre as diversas áreas das empresas (Catalyst, 1992).
- Glass Escalator (escada rolante) quer dizer que homens que ingressam em profissões tipicamente “femininas” tendem a ser promovidos em taxas mais rápidas do que as mulheres nessas profissões (Forbes, 2012).
Agressões Físicas
Além de todas estas microagressões, há também números alarmantes no Brasil de agressões físicas contra mulheres:
- Feminicídio (homicídios causados por homens que têm ou já tiveram relações com a vítima): 1.350 casos registrados em 2020, 81,5% das mulheres foram mortas por companheiros ou ex-companheiros, sendo 61,8% destas vítimas mulheres negras.
Nesse momento, Angela nos apresentou uma querida convidada especial que, corajosamente, veio dividir conosco um caso de violência que ela sofreu durante um relacionamento que teve com um ex-namorado. Agradeço MUITO a ela pela coragem de falar, pois todas nós sempre aprendemos com os relatos e experiências umas das outras. Na sequência deste relato, várias outras participantes também dividiram estórias tristes de abusos físicos e psicológicos contra mulheres. Que nós mulheres possamos nos unir cada vez mais, nos ajudar e agir com empatia umas com as outras, pois, muitas vezes (e isso foi confirmado em alguns dos relatos), somos nós as primeiras a “virarmos as costas” para as mulheres que precisam de ajuda.
Para “fechar” o encontro com chave de ouro, Angela trouxe um riquíssimo estudo que ela participou em conjunto com Alexandre Di Miceli, que demonstrou a relação positiva entre práticas de ESG e Diversidade de Gênero nos Conselhos e C-level.
O estudo, que analisou mais de 70 estudos do mundo todo sobre o tema (dentre eles meta análises, ou seja, artigos que analisaram outras centenas de artigos), demonstra que estes resultados são ainda mais fortes quando conseguimos superar duas questões: o Tokenismo e a Teoria da Massa Crítica!
Mas o que é Tokenismo?
É o simbolismo (aqui Angela traz uma foto dos Smurfs e da Smurfete). É quando temos uma representatividade muito baixa de um grupo minoritário em um grupo homogêneo. Quando há esse tokenismo, a capacidade de influência dessa pessoa que representa o grupo minorizado fica muito reduzida, diante da dificuldade desta pessoa (ou pequeno grupo) ser “escutado” pelo grupo homogêneo. Mas, ainda assim é possível fazer alguma diferença, ainda que pequena.
Isso só é realmente superado, e o grupo homogêneo só passará a escutar ativamente esse grupo minorizado, quando o percentual específico desse grupo minorizado superar a “barreira” da Teoria da Massa Crítica, de representatividade.
Angela nos apresenta algumas evidências científicas sobre a Teoria da Massa Crítica:
(i) Konrad et al. (2008): Neste estudo foram feitas entrevistas com 50 diretoras mulheres da Fortune 1000. Estas mulheres disseram que com 3 ou mais mulheres no Conselho foi possível ver uma mudança substancial no estilo de trabalho desse Conselho de Administração, influenciando positivamente, inclusive, a dinâmica e os processos entre os seus membros.
“The stage with one woman is the invisibility phase [ou da hipervisibilidade – o Tokenismo]. The stage with two women is the conspiracy phase: if the women sit next to each other, if they go to the ladies room together, the guys wonder what the women are up to. Three women are mainstream – it is normal to have women in the room and those questions go away.”
(ii) Torchia et al. (2011): Analisou 317 empresas norueguesas. Descobriu-se que de 1 ou 2 mulheres (tokens) até pelo menos 3 (uma minoria consistente) já se verifica um aumento no nível de inovação das empresas.
(iii) Joecks et al. (2013): Analisou 151 empresas alemãs durante 5 anos. Descobriu-se que apenas após uma massa crítica de cerca de 30% de mulheres no Conselho é que se pode fazer essa relação direta entre esta presença de mulheres e a melhor performance financeira da empresa.
(iv) Schartz-Ziv (2017): Analisou atas dos Conselhos de todas as empresas israelense com participação estatal. Descobriu-se que Conselhos com pelo menos 3 membros de cada gênero são pelo menos 79% mais ativos nas reuniões e mais propensos a retirar CEOs que não estão com bom desempenho.
E assim chegamos ao fim do Módulo 1, com muito aprendizado e trocas riquíssimas de experiências entre todas nós! Até a próxima semana 😊
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